Quatro dias antes do julgamento do STF que retirou a competência dos Tribunais de Contas para julgar as contas de prefeitos, a Ampcon emitiu uma nota defendendo que a decisão poderia tornar a Lei da Ficha Limpa praticamente sem efeito. Agora que a mudança é uma realidade, quais consequências já podem ser percebidas no processo eleitoral que está em andamento?
Uma das principais consequências é que julgamentos realizados por Tribunais de Contas de todo o Brasil que culminaram com o entendimento de que havia irregularidades em contas apresentadas por prefeitos terão sua validade questionada para fins de sustentar, ou permitir ao Ministério Público Eleitoral, a impugnação da candidatura desses cidadãos que conduziram mal a gestão de suas administrações.
Com a decisão do Supremo, houve algum debate no âmbito dos Tribunais de Contas para discutir a importância das Cortes de contas para o processo democrático brasileiro?
Na realidade os Tribunais de Contas nunca tiveram dúvidas da importância que detêm no processo de depuração da política e da administração pública brasileira. Nunca houve dúvida com relação ao papel que eles têm. Pode ser que existam dúvidas, e elas foram manifestadas por um ou outro ministro do Supremo Tribunal Federal sobre a legitimidade dos tribunais de contas, mas não passou disso.
Na atual conjuntura em que estamos, em que o combate à corrupção tem se fortalecido, o que essa mudança representa para o controle efetivo da gestão das finanças públicas?
Representa um tremendo retrocesso que repercutirá negativamente na qualidade dos administradores públicos municipais, durante muito tempo.
Também existe a questão da abertura de precedente para manobras políticas a partir do momento em que o poder legislativo fica responsável por analisar essas contas. O que o senhor pensa disso?
Não tenho a menor dúvida de que isso irá prejudicar. O poder legislativo no Brasil é, e aí sabemos evidentemente que há exceções que não são muitas, um poder que frequentemente encontra-se de joelhos perante o poder executivo. A formação de maiorias no poder legislativo brasileiro não raramente está associada a processos de convencimento ilícito. O mensalão é só um dos exemplos. Temos mensalões e mensalinhos por todo o Brasil, e evidente que isso repercute na formação da vontade do legislador e, por conseguinte, na formação da convicção quando forem enfrentar o julgamento do chefe do poder executivo. O poder legislativo, notadamente o poder legislativo municipal, hoje, é um órgão sem conformação confiável para uma tarefa tão importante como essa, que é a de julgar contas públicas e produzir repercussões no âmbito da elegibilidade dos gestores que se conduziram mal.
Os Tribunais de Contas têm poderes e instrumentos capazes de promover o ressarcimento de prejuízos causados ao erário, o que não está previsto para as câmaras de vereadores. Nas atuais circunstâncias, como o senhor acredita que essa questão será contornada para que infratores sejam punidos e a recuperação dos danos não seja prejudicada?
Os Tribunais de Contas vão poder continuar perseguindo o ressarcimento ao erário ainda que promovido pelo chefe do poder executivo. O que eles não vão poder fazer é buscar ou produzir repercussões no âmbito eleitoral. Contudo, a busca ao ressarcimento ao erário continua entre as atribuições do tribunal de contas.
Atualmente, apenas Bahia, Ceará, Goiás, Pará possuem TCE e TCM. Nos outros estados, mais o Distrito Federal, todo o trabalho de fiscalização e apreciação de contas do Executivo e Legislativo fica a cargo de um único órgão de controle externo. O senhor que o senhor pensa desse modus operandi?
Essa organização foi dada pela constituição federal, ainda que não haja vedação à criação de Tribunais de Contas dos Municípios. Quer dizer, outros municípios ainda podem deliberar sobre fatiar a fiscalização do controle externo entre um Tribunal de Contas que fiscalize apenas a administração estadual, e outro Tribunal de Contas que fiscalize todos os municípios de um determinado estado. O que a constituição vetou foi a criação de novos tribunais de contas de município, que a título de exemplo existem apenas dois no Brasil: o do município de São Paulo e o do município do Rio de Janeiro. Isso me parece uma opção político legislativo de cada estado. Não há muito que se opinar a respeito disso. É uma opção legítima que cada estado tende a organizar no seu controle externo.
Mas o senhor não acredita que um desses modelos seja mais eficiente?
Não tenho uma opinião formada a respeito disso, não há informação suficiente para produzir essa resposta hoje no Brasil.