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- 08/04/2018
- redacao
O enredo do calvário que levou Luiz Inácio Lula da Silva à prisão neste sábado (7) ganhou o rito que faltava quando aliados próximos ao ex-presidente encaixaram uma missa em homenagem a Marisa Letícia como último passo antes de sua entrega à polícia.
A ideia surgiu na tarde de sexta-feira (6), pouco antes do prazo de 17h estipulado pelo juiz Sergio Moro para que o petista se apresentasse em Curitiba.
Em meio a discussões sobre alternativas para Lula na sala que se tornou o quartel-general de sua resistência no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo, nos últimos três dias, a efeméride do aniversário de Marisa, que completaria 68 anos no sábado, se mostrou a melhor opção para adiar a prisão em mais algumas horas.
Mas não só isso. A celebração seria a oportunidade de atingir o tom emocional pretendido. A fala de Lula, tão aguardada por toda a militância reunida em São Bernardo desde a quinta-feira, viria, enfim, numa homilia.
E na missa celebrada em cima do carro de som, ao lado de lideranças do PT e de aliados, Lula falou ainda como candidato, cujo “único crime” foi ter “colocado pobre e negro na universidade” e permitido que “comprassem carro e andassem de avião”.
Ao fim da celebração, o petista não se entregou, como inicialmente previsto. O locutor, no carro de som, chegou a anunciar que o ex-presidente teria passado mal, mas depois tranquilizou os militantes.
Lula ainda ficaria por mais quatro horas no sindicato, e, após tumulto, saiu caminhando em meio aos apoiadores para se entregar. A imagem não era exatamente a que a liderança petista desejava desde o início —sua ideia era de que a polícia buscasse Lula em meio ao povo—, mas pareceu funcionar.
Foram 48 horas de martírio público desde que a notícia de que Moro decretara sua prisão pegou de surpresa Lula, sua defesa e seu núcleo mais próximo às 18h de quinta (5).
Naquele dia, o ex-presidente estava desde as 10h na sede do Instituto Lula, em São Paulo, discutindo os passos seguintes após o STF (Supremo Tribunal Federal) negar seu habeas corpus preventivo na madrugada.
Eles contavam com, pelo menos, mais cinco dias de liberdade, considerando o prazo para que apresentassem ao TRF-4 os chamados embargos dos embargos de declaração já negados por aquele tribunal.
Mas às 17h31, quando o advogado Cristiano Zanin falava aos jornalistas que eles não trabalhavam “com a hipótese de prisão”, o TRF-4, em Porto Alegre, publicava o ofício determinando a execução da pena. Menos de 30 minutos separaram a declaração do advogado do anúncio oficial da prisão por Moro.
Dentro do Instituto, onde estavam também a ex-presidente Dilma Rousseff e lideranças aliadas, os planos, que inicialmente eram de fazer uma vigília às 18h de sexta-feira no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, berço político de Lula, foram alterados.
Com o prazo de Moro para que o petista se entregasse até as 17h do dia seguinte, era preciso começar a mobilização logo, sob o risco de que suas últimas horas em liberdade não se tornassem um episódio épico.
ROMARIA
Lula seguiu logo depois para São Bernardo, onde se refugiou na sala da presidência do sindicato, posto que ele ocupou pela primeira vez em 1975 e para o qual foi reeleito em 1978.
A porta da sala no segundo andar permaneceu fechada e guardada, a partir de então, por sindicalistas. Só podiam entrar políticos, integrantes do Instituto Lula, militantes mais graduados ou quem conseguisse a intercessão de algum deles.
Instaurou-se então uma romaria, com uma pequena fila em frente à porta, enquanto os demais militantes eram mantidos fora do cercadinho delimitado por gradis. Muitos se espremiam cada vez que a porta abria, para tentar ver o ex-presidente, sem sucesso.
Dali, só se via a antessala. Lula, na maior parte do tempo, ficou na parte da sala onde há uma mesa de reuniões e sempre rodeado de políticos e apoiadores mais próximos.
Ao longo da noite, o cercadinho foi ampliado duas vezes, aumentando junto a expectativa de que o ex-presidente sairia em breve para falar. Da janela, Lula acenou para os apoiadores que ocupavam a rua.
Mesmo o acesso ao segundo andar, onde a Folha ficou até a madrugada, foi limitado para uma parte dos militantes —os demais esperavam, desde as 20h, por uma aparição de Lula no piso de cima.
Enquanto ele não vinha, o clima era de descontração e de tietagem aos políticos que prestavam apoio ao petista.
A selfie mais concorrida era com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, até que Dilma apareceu. Apesar de visivelmente incomodada com os ostensivos pedidos para fotos, a ex-presidente sorriu para algumas e até celebrou, erguendo os braços, os gritos de “Dilma guerreira da pátria brasileira” e “minha senadora” —ela deve se candidatar por Minas.
Outra presença constante foi dos candidatos à Presidência Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D’Ávila (PC do B) —que, no sábado, seriam recompensados com a bênção política de Lula durante a missa.
Petistas como o senador Lindbergh Farias (RJ) e o deputado Paulo Pimenta (RS), também circulavam entre os militantes.
Durante todo o dia seguinte, políticos com menos expressão aproveitaram os holofotes para marcar posição de apoio ao ex-presidente, que aparece à frente das pesquisas de intenção de voto ao Planalto (até 37%, segundo o último Datafolha) apesar da condenação em segunda instância, que o torna inelegível pela Lei da Ficha Limpa.
RESISTÊNCIA
Enquanto do lado de fora da sala da presidência do sindicato a possibilidade de Lula se entregar à Polícia Federal era repudiada com indignação por militantes e políticos, dentro dela, o tom era outro.
Filhos e netos do ex-presidente defendiam, como opção mais segura, que ele se apresentasse.
A visão era oposta à das lideranças do PT e do PSOL, que sustentaram desde o início a ideia de “resistência pacífica”, inclusive com a formação de um “cordão humano” para impedir, em frente às câmeras, que o ex-presidente fosse levado por policiais.
No meio termo, estava a defesa, que alertava Lula sobre o risco do juiz Sergio Moro decretar a prisão preventiva se ele não se entregasse, o que poderia prejudicá-lo em seus outros processos.
No fim da noite, às 23h47, os advogados protocolaram um novo pedido de habeas corpus ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), que seria negado na tarde de sexta-feira.
Só depois disso Lula decidiu sair da sala para cumprimentar os militantes que estavam no segundo andar.
Mas não sem antes um dos sindicalistas anunciar que ninguém poderia filmá-lo —o que não foi obedecido.
Durante menos de dez minutos, o petista distribuiu abraços por cima do cercadinho. Com o casaco que ganhou do presidente boliviano, Evo Morales, posou e sorriu para fotos. Visivelmente cansado e abatido, consolou uma jovem que chorava.
Questionado pela Folha se iria para Curitiba, se manteve em silêncio. Logo depois, retornou à sala.
ESPERA
Por volta das 2h, as pessoas começaram a ser retiradas do segundo andar e foram conduzidas ao andar de cima com a promessa de que Lula falaria. Lá, outro grupo já aguardava.
A espera durou mais de 40 minutos até que os militantes percebessem que o ex-presidente não viria. “Acho que ele deu um golpe na gente”, disse uma apoiadora, rindo.
O petista já tinha ido dormir, numa sala anexa à da Presidência, com uma cama improvisada —a mesma
usada na noite de sexta.
Muitos militantes seguiram o exemplo e arranjaram um canto para dormir, em cadeiras ou no chão. Outros decidiram ir para casa. Uma parte manteve o clima de confraternização, que, no seu auge, se expressou em uma roda de samba no terraço anexo à lanchonete, onde havia cerveja, cachaça e linguiça calabresa com pão para comprar.
À Folha, no dia seguinte, Lula disse ter acordado disposto —apesar de dormir quatro horas — e ter feito seus exercícios matinais, com equipamentos de ginástica que colocaram na sala para ele. E anunciou que não se entregaria em Curitiba.
Mas seguia o suspense se o ex-presidente se apresentaria em São Paulo às 17h. Durante todo o dia, permaneceu também a expectativa se Lula discursaria —o que vinha sendo desencorajado por sua defesa.
As informações seguiam desencontradas mesmo entre os seus aliados mais próximos, cujas versões só convergiam ao dizer que Lula estava sereno e racional.
Enquanto isso, uma missão formada pelo deputado Wadih Damous (PT), o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, o advogado Sigmaringa Seixas e o tesoureiro do PT, Emídio de Souza, negociava com interlocutores da PF uma “alternativa digna” para a entrega de Lula.
Àquela altura, o ex-presidente ainda queria a imagem da detenção em meio ao povo, mas sabia dos riscos de episódios violentos. A polícia também não aceitava buscá-lo no sindicato.
A solução veio com a ideia da missa em homenagem a Marisa, morta em 2017. O pedido inicial foi para que a rendição fosse na segunda, mas o acordo acabou sendo de que o petista se entregaria após a cerimônia de sábado. Mais de 24 horas depois do estipulado, Lula embarcou em Congonhas com destino a Curitiba. (Por: Folhapress)
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