À época com 17 anos e uma filha para criar, Tatiana contou que se submeteu às exigências da Fundação Ocidemnte. “Eu aderi a esse modo de agir. Vivi um conflito, porque, ao mesmo tempo em que eu não queria me afastar das pessoas, as lideranças dele me mostravam que eram felizes porque tinham seguido a liderança de Jair. Ele usava dessas pessoas para me mostrar que confiar nele valia a pena”, revelou.
Além de tentar apagar o passado da jovem, Jair Tércio interferiu no futuro e nas escolhas de Tatiana. Segundo relatos, em 2004, ano em que fez vestibular, ela queria tentar o curso de medicina, mas foi proibida pelo líder religioso, porque “não tinha espiritualidade suficiente para a profissão”. O guru dizia que ela tinha perdido a encarnação ao engravidar na adolescência e afirmava que a pedagogia ajudaria a salvar a vida dela.
“Eu fiz pedagogia e comecei a trabalhar na escola Ananda, que é dele. Eu chorava todos os dias para ir trabalhar e para ir à faculdade, e ele dizia que era meu processo de sutilização. Isso continuou até eu fazer 21 anos, quando começaram os abusos sexuais.
Hora marcada
“Era toda quarta-feira à noite. Horário marcado. Ele dizia que era pra eu ajudar com os livros dele. Chegou a dizer que eu tinha problema no ovário e ele precisava colocar a energia dele em mim”, contou.
Esses argumentos de Jair Tércio perduraram por quase um ano, até que ele mudou a abordagem. “Me dizia que era um ser iluminado, vivendo numa matéria bruta, e ele só poderia descarregar a ‘gala’ comigo”.
Neste momento, a jovem relatou que começou a viver um conflito entre ter a noção de que aquilo era errado e, ao mesmo tempo, desprezar o ‘ser iluminado’. “O abuso em meio religioso você não consegue negar e eu achava que estava errada por me sentir violentada”, disse.
Tatiana ainda revelou que não tinha a chance de questionar os abusos sexuais sofridos e que, ao primeiro sinal de bloqueio dos atos do líder espiritual, era ameaçada e sofria retaliações psicológicas. “Você vai ser cobrada pela justiça divina, porque você teve a chance de viver perto de um iluminado e você está se negando a isso. Eu ouvia coisas como ‘Você só tem vida perto de mim’”.
Rompimento
“Eu me submeti a isso até o início de 2015, quando eu rompi. Fiquei ali entre 2003 e 2015. Foram 12 anos de abusos, 12 anos que minhas filha não teve o direito de usar um biquíni, porque ele dizia que ela seria uma mulher ‘bonita e gostosa e precisaria aprender a se cobrir’”.
Ainda segundo a pedagoga, os abusos foram psicológicos, patrimoniais e físicos. No primeiro deles, ela contou que Jair Tércio determinava como o dinheiro dela seria empregado. “Meu primeiro carro foi ele quem determinou o modelo e a cor. Quatro mulheres comprando carro, o mesmo, com a mesma vendedora”, revelou. Tatiana também disse que foi com o tempo que passou a se permitir questionar o líder religioso, olhar mensagens no celular dele, perceber que aquilo era um crime.
“Eu vinha me questionando e comecei a questionar a ele. Ele começa a colocar em cheque a sua sanidade. Eu comecei a observar outras mulheres e elas repetiam frases dele, as frases que eu ouvia nesse contexto de abuso sexual”, disse. Neste momento, Tatiana encontrou provas de que vivia um abuso sexual e psicológico, assim como outras mulheres com quem o guru trocava mensagens, ameaçava e se relacionava.
Em 2015, assim que saiu da Fundação Ocidemnte, ela chegou a ir a uma delegacia em Salvador, mas, por falta de provas, não conseguiu sequer registrar uma ocorrência. Já em 2017, quando recebia inúmeras ameaças por ter deixado a instituição, foi novamente registrar uma queixa. Desta vez, apesar de não ter conseguido concretizar a ocorrência, também por falta de provas, um policial orientou que ela se protegesse.
Foi quando Tatiana começou a buscar evidências dos crimes praticados contra ela e outras mulheres que acusam Jair Tércio de crimes sexuais. Para ter segurança, ela e a filha se mudaram para Florianópolis. O Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) está à frente das investigações de quatorze mulheres, incluindo Tatiana, mas ela afirmou que há outros casos de vítimas que ainda não tiveram a coragem de externar ao órgão os relatos.
(Por Por: Yasmin Garrido)