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- 02/08/2017
- redacao
Thais Borges (
)Começou com um burburinho. Logo, os rumores de que estudantes egressos do Bacharelado Interdisciplinar (BI) de Humanidades da Universidade Federal da Bahia (Ufba) tinham burlado o sistema de cotas para ingressar no curso de Direito ficaram ainda mais fortes. Até que, no fim de maio, uma denúncia anônima levou sete casos à reitoria da instituição.
A denúncia em Direito foi o ponto de partida para mostrar um universo de possíveis fraudes ainda maior: hoje, a suspeita é de que pelo menos 25 estudantes estejam ocupando vagas que não deveriam ser suas. Por isso, no dia 18 de julho, o Ministério Público Federal (MPF) notificou a Ufba sobre o caso.
Os ofícios chegaram à instituição nesta terça-feira (1º), de acordo com a Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil (Proae) da universidade. Agora, a instituição tem 20 dias para se pronunciar sobre a notificação, de acordo com a assessoria do MPF.
Na mesma terça-feira, cerca de 20 estudantes, professores e técnicos administrativos se reuniram na Biblioteca Central, no campus de Ondina, para avaliar o andamento das respostas da Ufba diante da denúncia. Era a terceira reunião aberta do chamado Comitê Contra as Fraudes nas Cotas Raciais da Ufba, instituído justamente em maio, após as denúncias de Direito.
“São estudantes que estão ao nosso lado na sala de aula e vemos isso com uma sensação de impunidade muito grande. A polícia sabe muito bem quem são os negros. Nós sabemos quem são os negros. Mas a universidade precisa estabelecer uma verificação em todo o processo de entrada de forma imediata. Se a Ufba for tomar uma posição, tem que ser agora”, afirmou o estudante Alex Vasques, 28 anos, estudante do curso de Direito e integrante do comitê, durante a reunião.
Identificação
A Ufba tem cotas desde 2005. Do total de vagas, 50% são reservadas aos cotistas. Elas são divididas igualmente entre candidatos de escola pública com renda per capita maior que 1,5 salário mínimo e os com renda menor; e candidatos de escola pública com renda per capita maior que 1,5 salário mínimo ou com renda menor que sejam pretos ou pardos.
Só que as cotas não ficam restritas ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que usa o Exame Nacional do Ensino Médio (Sisu). Quando os estudantes concluem o BI, eles podem concorrer, internamente, a vagas nos chamados Cursos de Progressão Linear (que é o caso de Direito), na Ufba. Só que mesmo nessa seleção, há cotas – que devem ser as mesmas que o estudante apontou ao ingressar pelo Sisu.
Foi bem nessa etapa que surgiram as primeiras suspeitas. Em maio, logo após receber a denúncia dos sete casos de fraude na Faculdade de Direito, a Ufba convocou uma reunião que contou com a presença de pró-reitores e até mesmo do reitor João Carlos Salles. Na ocasião, a instituição informou que, para dar prosseguimento à denúncia e instaurar um inquérito, era necessário que os denunciantes saíssem do anonimato. Mas se isso é amplamente criticado pelo comitê, a pró-reitora de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil, Cássia Maciel, explica que foi uma recomendação da Procuradoria Federal da Ufba.
A resposta da Ufba foi uma deixa para que o comitê catalogasse 25 possíveis casos de fraude na autodeclaração racial na instituição. Segundo eles, além de Direito, a maioria é justamente dos cursos com as maiores concorrências – tidos como os mais difíceis de ingresso: Medicina, Psicologia e as Engenharias.
“Nós ficamos sabendo dos casos de Direito, porque as pessoas começaram a ver estudantes que são brancos, mas entraram com a cota racial. Mas depois fomos vendo a entrada pelo Sisu com a lista pública de aprovados. Fomos averiguando com estudantes desses cursos e até vasculhando redes sociais”, explicou Alex. A denúncia foi protocolada no MPF no dia 22 de junho.
Leia também: Oito alunos são expulsos da Uesb por fraude em cota quilombola
De acordo com a estudante de Direito Maria Hortência Pinheiro, 25, as fraudes que estão sendo investigadas teriam prejudicado até mesmo a continuidade de bolsas estudantis. “Tinha gente que passou para o segundo semestre e teve a bolsa descontinuada (durante o primeiro semestre). Essa experiência em Direito mostra que estamos por nossa conta. Nós temos o direito de estar indignados e de exigir uma resposta da direção”.
Integrante do Núcleo de Estudantes Indígenas da Ufba, o estudante de Direito Taquari Pataxó, 33, explicou que, no caso das cotas para indígenas, a fraude não é tão comum quanto nas vagas reservadas para negros. Há duas vagas em cada curso para quilombolas e indígenas aldeados.
“Se estiver ocorrendo, a fraude é menor justamente pela aferição do núcleo. Nós olhamos todos os aprovados, um por um, qual é a aldeia, qual é a etnia. Mesmo assim nós somos distanciados do espaço público e o estado e a sociedade nos ignoram”.
Combate à fraude
No início do mês passado, a Ufba anunciou a criação de uma comissão de trabalho para ‘o aperfeiçoamento de mecanismos de prevenção de fraudes no sistema de cotas’. Em nota, a instituição afirmou que possíveis fraudes no sistema deveriam ser ‘firmemente combatidas’.
De acordo com a pró-reitora Cássia Maciel, que também é a presidente da comissão, o grupo de trabalho deve contar com representantes de diferentes instâncias da comunidade universitária – e a resposta ao MPF deve seguir por esse caminho. A partir dessas discussões, ela explica que a comissão deve decidir como promover a verificação da autodeclaração sem cometer nenhum erro ou injustiça.
“Nosso objetivo nesse momento é não ser afoito nessa solução e, de repente, cometer tantos erros quanto os que estão ocorrendo. O que posso dizer é que estamos observando, agindo e vamos implementar mecanismos de combate à fraude e queremos conduzir isso com debate”, diz, embora ainda não exista prazo para definir esses mecanismos.
No entanto, o concurso para técnicos-administrativos da Ufba, cujas inscrições começam nos próximos dias, deverá servir como parâmetro para o que será implementado na seleção dos estudantes. No concurso, existirá um mecanismo de verificação, mas a pró-reitora preferiu não antecipar qual será a metodologia utilizada.
“Vamos agora responder ao MPF e a ideia é trabalhar o mais rápido possível. Há todo um trabalho educativo prévio da importância da autodeclaração. Quem é negro no Brasil? Claro que não vamos precisar fazer grandes debates teóricos, mas precisamos conversar com a comunidade sobre isso. Vamos combater as fraudes, sim, verificar, sim. Mas não podemos criar algo que fragilize a política (de cotas)”.
A procuradora responsável, cujo nome não foi divulgado pela assessoria do MPF, não foi localizada pela reportagem. O diretor da Faculdade de Direito da Ufba, o professor Celso Castro, também foi procurado pelo CORREIO, mas não respondeu aos contatos.
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