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- 09/10/2018
- redacao
por Leandro Aragão
A dois anos dos Jogos Olímpicos de Tóquio, o canoísta baiano Isaquias Queiroz só tem um pensamento até o Japão: ganhar do alemão Sebastian Brendel. “Desde 2013 para cá, eu sempre encontrei uma pedra no meio do meu caminho, que vamos dizer que é ele”, brincou. O medalhista olímpico dos Jogos Rio-2016 esteve em Salvador no último mês de setembro e encontrou um tempo na sua compromissada agenda para conversar com o Bahia Notícias. Durante o bate-papo, ele falou da preparação para 2020, suas próximas disputas e também da grande admiração ao rival Brendel, que o inspirou até a batizar o filho de Sebastian. O baiano ainda comentou sobre como é disputar contra seu próprio irmão e sobre como a doença grave que atinge seu técnico, Jesús Morlán, o motiva ainda mais nas competições. Confira a conversa com um dos maiores atletas brasileiros da atualidade e umas das grandes esperanças de medalha nos Jogos de Tóquio.
Depois da conquista do tricampeonato mundial e da disputa do Brasileiro, qual será o seu próximo grande desafio?
Só volto a competir no ano que vem. Lá para maio vai ter uma Copa do Mundo importante. Vão ter duas, uma na Polônia e outra na Alemanha, casa do alemão (Brendel). Aí depois vai ter só o Mundial em agosto.
Como está a preparação de olho nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020?
Nosso foco agora da preparação é voltar para Lagoa Santa (MG), começar uma nova parte do treinamento visando a classificatória no ano que vem que vai ser na Hungria. Aí a gente vai ver se vou remar o C2 com Erlon (Souza) ou se vou remar só o C1, porque o importante é a vaga e a medalha olímpica. Como sempre falei, não adianta ganhar medalha em Mundial, chegar na Olímpiada e não ganhar medalha. Então, é focar na olimpíada para ganhar medalha e conseguir o máximo de medalhas possível para o Brasil.
Uma das coisas que o seu técnico, o espanhol Jesús Morlán, fala é que não se pode ganhar tudo. Inclusive, ele liberou você para disputar o C1 5.000 metros, mas as inscrições já tinham sido encerradas e você ficou de fora. Como é que vocês fazem essa dosagem da força nas competições?
Então, a princípio a gente vai com o foco nas provas mais importantes como o C1 1.000 metros que é prova olímpica, aí depois vem uma prova que é importante para mim, que eu gosto, que é o C1 500 metros. Aí depois que já tem tudo isso, se eu tiver tempo para remar outra prova e vier qualquer medalha já é bem-vinda. Então, por isso que falei: “Jesús, eu já vou ter remado C1 1.000 metros, o C1 500 metros, C1 2.000. E o C1 5.000 metros é no último dia. Se eu sair daqui com quatro medalhas é melhor para mim, né? Então eu posso?”. Ele falou: “Oh, vai. Se você conseguir remar, pode ir”. Aí eu falei: “Beleza!”. Só que aí quando fui tentar fazer a inscrição não podia mais, porque era até o dia 15, mas não tinha programado para remar os 5.000. Aí vai de acordo com o que a gente quer, né? O foco mesmo é a prova olímpica C1 1.000 metros, C1 2.000 metros e o C1 500 metros. Depois, o que vier é bem vindo, né?
Esse é o mesmo raciocínio para as escolhas das competições também? Como é a dosagem de força nas competições?
Vai de acordo com a temporada. Por exemplo, a gente quer chegar ao Mundial bem, então não adianta começar a treinar pesado para uma Copa do Mundo que vai ser em maio e depois cansar para o Mundial em agosto. Então, a gente vai subindo o ritmo. Com certeza sabemos que na Copa do Mundo em maio a gente não vai estar no auge e talvez vamos brigar por um bronze, mas o foco mesmo é no Mundial. A Copa do Mundo a gente usa como uma prova para ver como os atletas adversários estão e para ver mais ou menos como a gente está também. Então, a gente vai naquela coisa de prova para testar e prova valendo mesmo é o Mundial.
Você agora é um dos principais atletas do Brasil. Sente a pressão por ser uma das esperanças dos brasileiros para ter um campeão olímpico?
Pressão não. Eu tenho um treinador que me ajuda bastante nessa parte psicológica e eu fico bem tranquilo nessa parte de pressão. Não sinto muito isso, nunca senti. Mesmo quando os Jogos Olímpicos foram em casa, no Rio de Janeiro, no Brasil, eu não fiquei nervoso, não fiquei com esse negócio de “Ah, é primeira olimpíada, como é que vai ser? Eu tenho obrigação?”… Não! Fiz o que faço de melhor que é remar. É aquela coisa, eu treinei, então vou conseguir. Agora, se eu não treinar, vou ficar nervoso, vou ficar preocupado. Para Tóquio vai ser aquela coisa, vai ser treinamento ao máximo e lá eu vou fazer o que eu sempre fiz, que é remar e acreditar no meu trabalho e no meu treinador.
No Brasileiro, você disputou com seu irmão Lucas Queiroz. Como foi enfrentar o seu irmão? Acredita que ele também conseguirá uma vaga na próxima olimpíada?
O meu nível e o dele são bem diferentes. Na minha eliminatória mesmo, eu fui devagar aconselhando ele no ritmo de remada, mas no final acabei aumentando um pouco para ficar em primeiro. Já no C1 1000 metros, antes da final, eu conversei com ele e disse: “Olha, você abra mão dessa prova, porque você não tem condições de ganhar nem de mim, nem do Erlon (Souza), nem do Maico e nem do Jack, porque nós quatro somos da seleção. Foca para o C2”. E ele concordou. Aí ele remou e conseguiu ficar só atrás do Jack e do Maico, que são os dois caras da seleção.
A principal queixa dos atletas iniciantes é a falta de apoio. Muitos fazem campanha para arrecadar fundos para pagar as viagens para os campeonatos estaduais, nacionais e até no exterior. Você hoje é um grande atleta, que tem auxílios do governo e também de empresas. Como você vê essa falta de apoio para os que estão começando não somente na canoagem, mas também nos outros esportes no geral?
O Brasil é o país do futebol, querendo ou não. Então, todo o investimento de patrocinadores privados no Brasil vai mais para o futebol. Querendo ou não tem visibilidade maior do que qualquer esporte individual no Brasil. Para mim, o começo foi bem complicado para me manter no esporte. Eu já estava com 16, 17 anos quando cheguei à seleção e para me manter fora de casa sem nenhum centavo foi bem complicado. Mas logo no final de 2010, o Ministério do Esporte começou a pagar o Bolsa Atleta, aí eu acabei tendo um apoio mais fácil. Ao longo dos meus anos, fui conseguindo patrocinadores particulares. Obtive também apoio do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), do Ministério do Esporte e da Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa). E graças a Deus, de 2013 para cá, eu consegui ir para um clube que me dá apoio, que é o Clube Athletico Paulistano, lá de São Paulo. Eu sou da Bahia, mas acabei remando por lá, mas isso foi mais pela parte financeira, porque precisava de um apoio, precisava me manter no esporte. Mas aí depois, em 2015, foi que eu tive o meu primeiro patrocinador particular que foi a Petrobras. A gente continuou com a parceria, pois ela deu certo nas Olimpíadas, ganhei três medalhas e agora a gente acabou renovando até 2021. Então, fico mais tranquilo nessa parte, porque nunca tive e também é raro um atleta conseguir um patrocinador a longo prazo, ficar dois, três anos. Isso me dá mais tranquilidade, porque hoje eu posso perder o Bolsa (Atleta), já que o governo do país está sempre cortando verba no Esporte. Se acabar o Bolsa Atleta ou o Bolsa Pódio, eu tenho o apoio da Petrobras com o contrato assinado até 2021. Porque, pra mim, patrocinador é bem complicado. O único patrocinador particular que tenho hoje é a Petrobras. Não tenho nenhum outro. É bem complicado. Você pode perguntar: “mas como, se você tem três medalhas olímpicas e não tem outro patrocinador?”. É aquela coisa, o país às vezes não tem muito reconhecimento do resultado. Quando eu vou lá para fora vejo os atletas com um monte de patrocinadores nos barcos e no meu só boto o da Petrobras e acabou.
Um dos seus principais rivais da canoagem é o alemão Sebastian Brendel. Além de adversário, ele é o seu ídolo, inclusive, você colocou o nome dele no seu filho em homenagem. Como é para você enfrentá-lo nas provas, tentar vencê-lo nas disputas?
Desde 2013 para cá, eu sempre encontrei uma pedra no meio do meu caminho, que vamos dizer que é ele, né? Mas isso para mim é uma pressão a mais, um incentivo a mais, por saber que tem uma pessoa ali na frente que eu tenho que ganhar. Porque imagine só se eu fosse campeão em todos os campeonatos mundiais, uma hora eu vou falar: “Pô, não tenho mais o que ganhar, não tenho mais nenhum objetivo!”. Mas agora eu tenho um objetivo que é conseguir derrotá-lo. Então, eu tendo essa montanha na minha frente, vou ter cada dia mais um objetivo, um foco para acordar de manhã e ter que treinar mais duro ainda. Para mim é um incentivo a mais. Eu sou muito fã dele não só como atleta, mas como pessoa também. Ele é um cara muito carismático, é uma pessoa gente boa. Ele é uma pessoa muito simples. Então acabei colocando o nome dele no meu filho pela pessoa que ele é e também pela carreira que ele tem.
Qual é o seu sentimento quando Brendel ganha de você, de ter perdido uma medalha de ouro para ele, apesar de ser seu ídolo?
Querendo ou não, ele ganhou de mim porque treinou muito mais duro, né? Isso acaba me dando aquela coisa de: “Ele treinou mais do que eu, então vou treinar mais ainda!”. Isso me incentiva um pouco mais a treinar, porque sei que no outro dia ele vai estar treinando para não perder de mim. Sei que o que fez ele ganhar foi o treinamento. O que fez ele treinar mais ainda foi por causa de mim e do outro adversário. Então, eu fico ainda mais motivado. Fico mais naquele sentimento de poder ter ganhado, mas também fica aquela sensação meio que de raiva, aquela raiva gostosa de falar: “Não, tenho que treinar mais para que, na prova que vem, ele tenha que treinar ainda mais para ganhar de mim!”.
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