LITERALMENTE, NAS COXAS
  • 2.947
  • 0
  • 09/12/2014 
  • redacao

Andressa Urach

Já virou rotina na imprensa, e não só na especializada em fofoca, mas nas páginas policiais, os relatos de morte de mulheres em consequência de procedimentos estéticos duvidosos realizados para avolumar bundas, peitos e coxas. De vez em quando também para secar culotes avantajados, pneus indesejados ou construir barrigas de tanquinho num piscar de olhos, ao custo de um punhadinho de dinheiro dado a açougueiros que reivindicam para si o lugar de fazedores de beleza. Embora, vez ou outra, mulheres mais velhas apareçam como protagonistas dessas tragédias, a maioria dos casos envolve mulheres muito jovens.

Veja-se o caso da vez: Andressa Urach. Mesmo que fisicamente pareça um mulherão rodado no tempo e no currículo de modelo, adjetivo que, nesse caso, talvez merecesse aspas e nota de rodapé, a gaúcha catapultada para a fama pelas mãos do inventor mor de sub-sub-celebridades Cacau Oliver, responsável por torná-la vencedora do 2º lugar de um concurso de miss bumbum, tem apenas 27 anos.

Por causa de mais de 500 mililitros de hidrogel enfiados em cada uma das coxas a moça quase morreu. Quanto há da substância e de muitas outras na bunda, nos peitos, no rosto e especificamente nos lábios de Andressa, quem souber, morre. E, por pouco, para sobreviver, não teve que amputar uma perna. Ainda não se sabe que superfície de crateras lunares permanecerá na parte superior de seus pernões, construídos à base de tanta substância química de alto risco, depois das várias sessões de raspagem de tecidos necrosados e infectados após a reação ao hidrogel ter se desdobrado numa infecção generalizada.

Mesmo nesse contexto, dizer certas coisas são delicadíssimas, pois a polícia da linguagem espreita cada um, caçando no vocabulário alheio qualquer palavra que possa levar o desafortunado que a usou para a inquisição inclemente das redes sociais. Mas eis a ilação que não quer calar, no melhor estilo “pronto, falei!”: alguém ignora que boa parte dessas modelos, modelos nesse sentido eufemístico, que nunca desfilaram numa passarela de moda e nunca fizeram um editorial numa publicação especializada, se entope de implantes basicamente para agradar  a machos? Sim, para agradar a homens do tipo que acham que quanto mais mililitros subcutâneos dessas parafernálias químicas uma mulher tiver, essas coisas que inventam volumes, mais “valor agregado” essa mulher terá?

Que esses homens gostem de se refestelar em melões de silicone que só por milagre não estouram nas camas ou nos amassos e que vejam as bundas femininas como tobogãs sob formas de corcovas de camelo arredondadas e rijas de silicone, parte das mulheres até acha compreensível, tendo em vista que até uma vassoura usando minissaia seduz alguns desses tipos. Mas que as próprias mulheres se disponham a introjetar na bunda até silicone industrial para que um monstrengo cheio de testosterona ou um velhote cheio de viagra sacie seus instintos mais primitivos, ah, isso… nem a pau, Juvenal. Para as defensoras das pobres mulheres escravizadas pelo machismo, todas essas garotas horti-fruti, panicats, modelos sem passarela e assemelhadas são pobres vítimas do sistema patriarcal que as alienam de sua própria condição de sujeito ativo de suas vidas, tadinhas. Coisa para pegar um lencinho e chorar por elas. Só que não.

E por falar nessa profusão de modelos em números que encheria mil arcas de Noé, o bíblico, por que não dar nome às coisas? Ora, se todo mundo é tão moderno e tão faca na bota, por que tanta hipocrisia e resistência ao negar o que se faz? Pagando-se bem, que mal tem? Depois reclamam porque Bruna Surfistinha e Lola Benvenutti se tornaram divas. Nomear a condição é muito mais inofensivo que estar no mundo literalmente enfiando a morte nas coxas em nome de uma carreira de modelo que nunca existiu.

* Malu Fontes é jornalista e professora de Jornalismo da Ufba