DEZ MINISTROS VÃO DECIDIR SOBRE A FEDERALIZAÇÃO DO CASO CABULA
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  • 14/09/2016 
  • redacao

Bruno Wendel e Thiago Freire

O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), considerou haver elementos suficientes para retirar da alçada da Justiça baiana o processo que envolve a operação da Polícia Militar que terminou com 12 mortos e seis feridos na madrugada de 6 de fevereiro de 2015, na comunidade de Vila Moisés, no Cabula.

Conforme antecipou a coluna Satélite, do CORREIO, ontem, Fonseca considerou plausível o pedido de federalização do caso, feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, diante dos indícios de grave violação de direitos humanos na ação policial que pode acarretar a responsabilização do país, “decorrente do descumprimento de obrigações assumidas em tratados internacionais”.

Em despacho do dia 22, ele afirma haver “evidência de que os órgãos do sistema estadual não mostram condições de seguir no desempenho da função de apuração, processamento e julgamento do caso com a devida isenção”. Intimada a dar detalhes sobre a investigação do caso, a Secretaria da Segurança Pública  (SSP) enviou, ontem, as informações pedidas.

Em nota, classificou como “estranha” a reivindicação da Procuradoria Geral da República (PGR) em torno das investigações, “haja vista que oito promotores e dois defensores acompanharam todos os procedimentos e trâmites legais”. Afirma ainda que o processo tem 2,5 mil páginas embasadas em 59 laudos periciais, incluindo uma reconstituição do caso que, segundo a SSP, apontam que não houve execução.

Antes da votação, o goveno baiano vai argumentar pela não federalização do caso (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)

Antes da votação, o goveno baiano vai argumentar pela não federalização do caso (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)

No seu despacho, Fonseca classifica “a narrativa pormenorizada efetuada pelo procurador-geral” como uma “peça extremamente bem escrita” que “demonstra, no mínimo, a existência de uma série de dúvidas sobre um possível excesso na conduta policial”. A solicitação do ministro do STJ também foi feita ao Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).

Segundo a assessoria da Corte, as informações pedidas foram protocoladas no dia 6. No entanto, não divulgou o conteúdo da resposta alegando que o processo tramita em segredo de Justiça. No dia 24 de julho de 2015, a juíza substituta Marivalda Almeida Moutinho, acatando a versão do Inquérito Policial e ignorando a investigação feita pelo Ministério Público Estadual (que denunciou os policiais por assassinato e tentativa de homicídio), absolveu os nove PMs envolvidos no caso. São eles: Julio César Lopes Pitta, Robemar Campos de Oliveira, Antônio Correia Mendes, Sandoval Soares Silva, Marcelo Pereira dos santos, Lázaro Alexandre Pereira de Andrade, Dick Rocha de Jesus, Isac Eber Costa Carvalho de Jesus e Lúcio Ferreira de Jesus. Segundo a PM, eles continuam trabalhando na Rondesp Central.

No documento, o ministro do STJ também afirma ser impressionante os dados sobre mortes atribuídas a ações policiais no estado. Citando a representação da PGR, diz que “entre janeiro de 2013 e 30 de junho de 2015 foram 616 mortes em confronto com a PM  baiana, sendo que muitos desses casos nem sequer contam com inquérito policial instaurado, sendo que, dos 460 inquéritos instaurados no período (106 mortes em confrontos com a Polícia Civil), apenas 245 foram remetidos ao Judiciário”.

“O quadro, com efeito, descreve indícios de uma possível violação de direitos humanos que pode vir a gerar responsabilização internacional do País”, completou ele, ao se referir à “cognominada Chacina do Cabula”.

Especialista em Direito Internacional, o advogado Daniel Aragão explica os trâmites que envolvem essa responsabilização: “O caso é apresentado antes na Comissão Interamericana que dependendo do atendimento das recomendações feitas aos Estados, pode levar o caso para a corte. Com a admissibilidade na comissão, são ouvidas o demandante e os Estados. A comissão faz recomendações aos Estados que deveriam cumpri-las”. Agora, os documentos entregues pela SSP e pelo TJ-BA serão levados como pauta pelo relator à 3ª Seção do STJ, especializada crimes contra os direitos humanos.

Ao todo, dez ministros devem decidir sobre o destino do Caso Cabula. Antes da votação, é dado o pronunciamento do governo que argumentará pela não federalização; no caso, a palavra é do procurador-geral do Estado. É também dada a palavra ao Ministério Público Federal (MPF), que defende a federalização. Se ocorrer, o processo passa a tramitar na Seção Judiciária do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região da Bahia, em Brasília.

Ontem, o CORREIO esteve na Vila Moisés, e ouviu moradores.  “O correto seria prendê-los, como manda a lei. Agora, a Justiça será feita”, disse um morador, ao saber da possibilidade de reabertura do caso. Coordenadora da ONG Justiça Global, uma das entidades que pedem a reabertura do caso, Sandra Carvalho comemorou. “É muito importante esse parecer  porque há o entendimento de que faltou comprometimento das instituições em relação a esse caso”, concluiu.