“Uso de células-tronco no combate a esclerose múltipla não tem eficiência comprovada” Diz Dr. Antonio Andrade)
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  • 21/02/2016 
  • redacao

ANDRADE

A atriz Claudia Rodrigues apareceu com a cabeça raspada em entrevista exibida no programa “Domingo Show”, na Rede Record, no último domingo (31) em função de um transplante de células-tronco realizado em dezembro de 2015, na esperança de se curar da esclerose múltipla a qual foi diagnosticada no inicio dos anos 2000. Para o neurologista Antonio Andrade, Presidente da Fundação de Neurologia e Neurocirurgia, o procedimento ainda é novo e ainda não possui eficiência completamente comprovada no combate a doença inflamatória, provavelmente autoimune, que compromete a função do sistema nervoso e é caracterizada por surtos. Em entrevista ao Bahia Notícias, o médico esclarece sobre a doença, dando ênfase as dificuldades para traçar o diagnostico e nos desafios enfrentados por profissionais e pacientes para tratar a doença. Após conversar com o BN, Andrade salientou que o ambulatório da fundação que preside, na Rua Deocleciano Barreto, no Chame-Chame, nº 10, oferece acompanhamento gratuito para pacientes com doenças crônicas degenerativas todo sábado, das 7h às 14h. Para maiores informações, ligue 4009-8888.

A doença tem ganhado destaque com a mais recente entrevista da atriz Claudia Rodrigues e com o personagem principal da novela das nove da Rede Globo, ‘A Regra do Jogo’, sendo portador de esclerose múltipla. Isso tem ajudado a esclarecer as pessoas?
Toda doença crônica na medicina, de um modo geral, precisa sim de informação e de muita dedicação. A esclerose múltipla é uma doença autoimune que afeta o cérebro, a estrutura cerebral e a medula, atingindo uma composição do tecido nervoso que é a mielina. Tem uma comparação que eu sempre faço: É como se você tivesse um fio e fosse perdendo aquela capazinha [de plástico]. Determinadas áreas do cérebro vão sendo afetadas e você pode acabar perdendo a função. Isso acontece na esclerose múltipla de uma forma muito característica que é o chamado surto-remissão. O que é isso? Você pode ter uma manifestação ocular, por exemplo. Você perde a visão temporariamente por uma semana ou duas, e de repente aquilo vai ser reestabelecendo. Aí, nesse reestabelecimento, você se sente melhor, esse sintoma desaparece e pode passar meses e anos, e de repente ela volta de outra forma. A doença age com surtos e remissão. É uma doença de difícil diagnostico, porque além de você precisar ter um neurologista experiente e o auxílio de exames de imagem que não são baratos e que, apesar de estarem disponíveis na rede pública, ainda são demorados.

O senhor acredita que a esclerose ainda é associada ao termo antigo e inadequado para designar problemas psiquiátricas ou a arteriosclerose, que tem a ver com envelhecimento?
Informar, educar, o paciente é o melhor remédio. O doente faz uma série de alusões. Você falou de um quadro de esclerose cerebral, que são as demências de um modo geral. Alguns pacientes com esclerose múltipla podem desenvolver quadro demencial, mas são poucos pacientes. Quando se diz esclerose múltipla é porque você tem uma desmielinização.

O senhor poderia explicar o que é a mielina, qual a função dela no corpo e o que acontece quando ela é atacada?
A mielina é a capa de proteção do neurônio. Existem dois tipos de célula principal: os neurônios, que representam 50% da atividade cerebral e as chamadas células Gliais que representam os outros 50%. Nessa doença que tem um processo autoimune ligado a um processo de inflamação vai havendo a destruição dessa mielina, que é a capa de proteína que esse neurônio conduz o estímulo motor. A coisa é muito mais complexa, mas de uma forma muito mais simples e objetiva é isso que deve ser passado para o público: Que você tem uma perda dessa mielina, dessa cobertura do neurônio, do axônio [prolongamento único de uma célula nervosa, por onde se transmite o influxo nervoso]. Com isso ocorre a perda da função que pode ser sensitiva, motora ou de outras funções que normalmente são importantíssimas para o ser humano. Ou seja, se atingir as áreas do sistema emocional, você pode ter os distúrbios psiquiátricos, ou as formas mais graves levando ao esquecimento.

Então é comum que os sintomas sejam confundidos com o de outras doenças?
Pode confundir. Por isso é importante que você tenha o diagnostico diferencial. Porque ele pode ser confundido com algumas alterações. Se você tem as alterações oftalmológicas na fase inicial, você pode dizer que aquilo é uma Neurite [lesão inflamatória ou degenerativa dos nervos, da qual decorre paralisia] e na verdade se tratar de uma forma inicial da esclerose múltipla. Então, a gente tem que prestar bastante atenção. Podem ser manifestações no braço, na perna, no equilíbrio, na movimentação do globo ocular. Ou seja, no cortejo da doença neurológica, essa é uma condição que acontece com muita frequência, e nós temos que está bem preparados para poder dar o diagnóstico. Mais de três milhões de pessoas no mundo, aproximadamente, tem essa doença, e ainda não se tem uma cura efetiva.

E qual a causa da esclerose múltipla? Existe um componente genético mas não hereditária, correto?
Existem várias situações. A condição genética é uma condição muito menor. A doença é uma alteração mais autoimune com um componente inflamatório e que atinge principalmente uma estrutura do vaso, as vênulas [pequeno vaso sanguíneo que faz o sangue pobre em oxigênio retornar dos capilares para as veias], que pode ser atribuída a alguma forma de atividade viral ou de uma condição propriamente da imunologia.

Quais os tratamentos disponíveis mais usados, e qual a opinião do senhor a respeito do uso de células-tronco no combate à doença?
Existe hoje uma série de tratamentos. Você tem de tratar o surto, que é a fase inflamatória que pode ocorrer em cada paciente que tem esclerose múltipla, e que se trata com o uso de corticoide e fisioterapia permanente. Para tentar evitar a desmielinização existem várias medicações. Várias medicações que até então não se mostraram eficientes. Do ponto de vista do transplante de células-tronco, ainda é uma condição muito nova e nós precisamos, como médicos, dominar a técnica. Porque na verdade, em alguns pacientes, em alguns estudos, o método não demonstrou eficiência. Em resumo, de maneira bem clara e objetiva, não há um tratamento efetivo do ponto de vista medicamentoso. Você tem que diagnosticar, mas consolar sempre. Fazer com que o indivíduo faça exercícios, tenha uma boa alimentação e procure ter uma vida psicologicamente mais estável. Na última reunião que nós fizemos sobre esclerose múltipla, onde foi debatido todo o aspecto, no fim, conclui-se que na verdade ainda não temos um tratamento efetivo. Todos esses tratamentos, dos mais simples aos mais sofisticados, todos eles ainda não tem uma cura do ponto de vista efetivo, mas são um paliativo.

Como toda doença crônica, há tratamentos complementares. Quais são e a eficácia delas, existe uma comprovação científica?
Estudos comparando pacientes que usavam corticoides e que faziam fisioterapia mostrou que a atividade se mostrou mais efetiva no tratamento. O que melhora de fato é isso: Uma boa alimentação, uma boa fisioterapia e está em contato com o seu médico para tratar os sintomas.

Os sintomas podem deixar sequelas?
A depender do sistema que você vai desmielinizar, se há uma manifestação motora, você pode se recuperar, a depender da intensidade, ou ficar com um pequeno déficit. Se você tinha uma força de 100%, você passa a ter uma força de 10 ou 30 por cento, por exemplo. A mesma coisa na visão. Você passa a enxergar com mais dificuldade, ou menos dificuldade. É uma condição bastante variada. Cada paciente é um paciente, e a depender do grau de agressão você vai ter a sequela. Agora, o que você observa muitas vezes, é que tratando esse doente mais consciente, sabendo de que essa não é uma doença que vá matar, ela tem uma durabilidade de em torno de 38 anos. Ninguém morre de esclerose múltipla. Você pode morrer das consequências da esclerose múltipla, que são os indivíduos que ficam paralisados naquelas formas progressivas. Tem uma série de condições. Agora, o indivíduo diagnosticado tem que aderir ao seu médico, ou procurar um que lhe passe confiança. Na verdade esse que é o ponto importante e crucial.

Alguns estudos falam sobre uma discreta influência da exposição solar e da vitamina D. Eles citam uma prevalência aumentada de esclerose múltipla ao norte do equador. Por vivermos em um clima tropical, estaríamos mais protegidos da doença?
O organismo do ser humano, de acordo com a idade, vai perdendo um pouco a função em relação à produção das vitaminas de um modo geral. A partir de cinquenta anos você perde a fabricação de complexo B, então você precisa repor nas alimentações. A vitamina D é uma questão de muita discussão. Inclusive a sociedade, a Organização Mundial de Saúde (OMS), juntamente com a Sociedade Internacional de Neurologia e a própria Academia Brasileira de Neurologia, não tem ainda um dado cientifico que evidenciem dados interessantes. Você não tem ainda um fator de esclarecimento sobre a situação da doença. Por isso é importante esclarecer. Há um grande número de pacientes que buscam tomar megadoses dessas vitaminas e ai se complica porque acaba atingindo outros órgãos. A vitamina D em excesso pode criar uma quadro de insuficiência renal, ou outras coisas mais graves como uma calcinose [ formação de depósitos de cálcio em qualquer tecido mole].  Então, são coisas complicadas que na esfera médica a mídia muitas vezes ajuda, mas também atrapalha. A Neurologia é uma especialidade rara, complexa e difícil. Você ainda precisa ver aquele que realmente tem conhecimento para conduzir o paciente, que passa a fazer parte da vida do médico por muitas vezes. Você tem um paciente que de repente sente uma dormência nos pés ou nas mãos, ou não sente bem o gosto das coisas, ele parte logo para telefonar para o médico tamanho é o grau de ansiedade. É quase como ser um “médico de bolso”. Então veja que nós estamos diante de uma condição complexa, e uma série de condições que leva a tudo isso. Quando esses artistas tem essa doença e eticamente permitem o livre acesso de informação as pessoas, isso ajuda muito.

Existe uma faixa etária de risco?
A maior incidência ocorre entre os 20 e 40 anos, porem podendo existir formas mais jovens e formas mais velhas.

E existe uma maneira de se prevenir da doença?
Eu sempre digo que há maneira de prevenir tudo, e a melhor maneira de prevenir a doença é você esclarecer. Quando você esclarece o indivíduo, ele passa a ter uma alimentação boa, fazer atividade física, passa a ter uma melhor qualidade de vida e inexoravelmente melhorar a prevenção de qualquer doença, não só da esclerose múltipla. A melhor proteção é educar, e educando você está informando sobre essa doença.