PSICÓLOGO APONTA TABUS E MITOS EM ABORDAGENS SOBRE O SUICÍDIO
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  • 20/09/2017 
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Psicólogo Fernando Berbert, do Núcleo de Atendimento em Psicologia da Unime || Foto Pimenta

Setembro é o mês de intensificação de atividades de prevenção ao suicídio em todo o país. As ações no mundo foram iniciadas pela Associação Internacional para Prevenção do Suicídio (Iasp). No Brasil, Associação Brasileira de Psiquiatria, Conselho Federal de Medicina (CFM) e Centro de Valorização da Vida (CVV) coordenam as atividades neste mês.

De acordo com o coordenador de estágio em Psicologia da Unime, professor Fernando Berbert,  a campanha Setembro Amarelo é um passo para enfrentar um tema complexo e que envolve fatores biológicos, genéticos, psicológicos, sociais e culturais. O professor critica a falta de atendimento gratuito para as pessoas que perderam o interesse pela vida e reclama da insuficiência de profissionais especializados em Itabuna.

Fernando Berbert diz que tabus e mitos sobre o assunto suicídio só fazem agravar uma situação que já é crítica. Ele alerta familiares para ficarem atentos às mudanças de comportamento, principalmente quando a pessoa apresentar desinteresse pelas coisas que sempre foram prazerosas, sentimento de inutilidade, cansaço extremo e despreocupação com a falta de higiene.

A seguir, trechos da entrevista concedida por Berbert ao PIMENTA.

Blog Pimenta – Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil registra média de 12 mil suicídios por ano. É uma taxa alta?

Fernando Berbert – Quando analisado a quantidade de ocorrências, principalmente as envolvendo pessoas com idade na faixa de 14 a 29 anos, o número parece pequeno, mas não é, porque existe uma subnotificação de casos.

Pimenta – Por que ocorre essa subnotificação?

Fernando – Enfrentamos um  grande tabu quando o assunto é suicídio. Pesquisas apontam que, historicamente, as famílias sentem vergonha, quando um dos seus membros comete o ato.  Por isso, acabam não notificando a causa mortis corretamente às secretarias de Saúde dos municípios. Muitas vezes, até solicitam aos médicos que coloquem em seus relatórios algum tipo de doença que justifique a morte.

Pimenta – O assunto é complexo e pouco abordado, não?

Fernando – Existem alguns quadros sobre mitos e verdades. Há quem acredite, por exemplo, que falar sobre o assunto é uma forma de propagação e incentivo à prática do suicídio. Isso é uma inverdade. Os estudos mostram que, quanto mais se fala e se debate sobre o assunto, a população fica mais ciente e, consequentemente, aumenta as chances de redução das taxas.

Pimenta – Há um aumento do número de brasileiros que abrem mão da própria a vida?

Fernando – A taxa de suicídios entre os jovens aumentou em torno de 10% ao ano no Brasil. De 2004 a 2012 foi verificado aumento substancial de ocorrências, principalmente entre os homens. E temos um ponto a ser esclarecido: embora o índice de suicídio seja maior entre as pessoas do sexo masculino, as mulheres fazem mais tentativas. As mulheres quase sempre tentam usando medicamentos; enquanto os homens recorrem, na maioria das vezes, a arma de fogo.

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As mulheres conseguem participar de redes sociais, vão mais ao médico para falar sobre o assunto e fazem o tratamento. Já o homem não tem essa iniciativa. A cultura nos coloca que temos que ser fortes.

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Pimenta – Essa seria a única justificativa?

Fernando – Não. As mulheres conseguem participar de redes sociais, vão mais ao médico para falar sobre o assunto e fazem o tratamento. Já o homem não tem essa iniciativa. A cultura nos coloca que temos que ser fortes. A pessoa do sexo masculino já faz a tentativa e comete o ato em um estágio bem avançado de algum transtorno. Por isso, a taxa de suicídios entre homens é maior.

Pimenta – Há como descobrir que a pessoa desistiu de viver?

Fernando – Nem a medicina nem a psicologia têm como determinar e antecipar que uma determinada pessoa vai cometer suicídio. O que sabemos é que quem tentou uma vez e não conseguiu tem 50% de chance de fazer uma nova investida. Mas, infelizmente, as pessoas não dão a devida atenção porque se apegam ao mito de que uma nova tentativa não será feita. A segunda tentativa acaba sendo concretizada em 50% dos casos, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Pimenta – O que leva a pessoa desistir do mundo?

Fernando – Mais de 90% dos casos de suicídio têm relação com transtornos mentais. As ocorrências estão relacionadas com a depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia e uso substâncias psicoativasque vão potencializar para que a pessoa cometa o suicídio.

Pimenta – Existem unidades especializadas para o atendimento a pessoas que desistiram da vida?

Fernando – Existem mais de 3 mil unidades do Centro de Valorização da Vida (CVV)) que oferecem atendimento gratuito no país. As unidades contam com equipes multidisciplinares formadas por psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional e advogado, dentre outros profissionais.

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Aqui em Itabuna, por exemplo, temos os centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que não funcionam como deveriam. As unidades estão em frangalhos. Isso é um fato.

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Pimenta – O sul da Bahia não conta com nenhuma dessas unidades.

Fernando – Se tivéssemos locais específicos, com profissionais capacitados para que, de fato, pudéssemos trabalhar com essa população, teríamos uma redução nas taxas de suicídio. Aqui em Itabuna, por exemplo, temos os centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que não funcionam como deveriam. As unidades estão em frangalhos. Isso é um fato.

Pimenta – Há alguma esperança de que essa realidade mude?

Fernando – A notícia consoladora é que a Secretaria da Saúde da Bahia anunciou que pretende qualificar melhor os profissionais que atuam nas unidades do CAPS em todo o estado. Isso possibilitará que os técnicos tenham a capacidade e qualidade de receber o suicida e seu familiar para que, juntos, possam evitar que a pessoa faça uma nova tentativa.

Pimenta – O suicídio está relacionado também com questão social ou não?

Fernando – Estamos enfrentando uma crise financeira no Brasil sem precedentes. Mas o que leva um pai que perdeu o emprego a encontrar uma solução racional e buscar alternativas para retomar sua vida? O que leva aquele outro na mesma situação a preferir o suicídio? O suicida, provavelmente, tinha histórico de transtornos mentais na família.

Pimenta – O brasileiro se estressa mais fácil que pessoas de outros países?

Fernando – Dados da OMS indicam que o Brasil é o 8º país do mundo em taxa absoluta de suicídio.  Os números mostram também que os países subdesenvolvidos possuem os maiores índices.  A cultura é um dos fatores determinantes nesse processo. Por exemplo, na década de 80 o Japão tinha uma das maiores taxas de suicídio entre a população jovem. Descobriu-se que eles tinham vergonha do fracasso.

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No Brasil, as ocorrências estão mais relacionadas ao fator das condições de vida.  As condições financeiras, as dificuldades sociais e os transtornos mentais vão facilitar esse processo

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Pimenta – E no Brasil, o que ocorre?

Fernando – No Brasil, as ocorrências estão mais relacionadas ao fator das condições de vida.  As condições financeiras, as dificuldades sociais e os transtornos mentais vão facilitar esse processo (o cometimento de suicídio). Soma-se a isso outro problema, que é a falta de estrutura e profissionais qualificados para atender à demanda.

Pimenta – Quais dados que existem sobre suicídios em Itabuna?

Fernando – Em 2013, segundo dados do IBGE, ocorreram 12 suicídios em Itabuna.  Os números mostram que há um aumento de casos no município nos últimos anos. Verifica-se que o crescimento da taxa não ocorre somente em Itabuna, mas em todo o estado. No período de 2002 a 2012, houve aumento de 104% na taxa de suicídios na Bahia. Nesse período, a quantidade de ocorrências passou de 236 para 476 suicídios no estado.

Pimenta – É considerada uma taxa alta?

Fernando – Sim, mas sabemos que é muito maior, porque existe a subnotificação no número de casos. Essa omissão ocorre principalmente na região do sertão baiano, nos municípios pequenos, na zona rural. A estimativa é de omissão de 30% a 40% na taxa de ocorrências.

Pimenta – Há um caminho para a redução das taxas de suicídio?

Fernando – O diálogo e que as famílias observem mais seus membros, ficando atentas às mudanças de comportamento. Devem observar o isolamento, a higiene, a pouca comunicação.

Pimenta – Por que o ser humano tem tanto medo do fracasso?

Fernando – Issso está muito relacionado com a maneira com que a sociedade cobra. O mundo capitalista valoriza o que você é capaz de oferecer. A pessoa não é cobrada a atingir as próprias metas, mas as do meio social em que está inserida. Quando ela não consegue, a sociedade cobra de maneira muito forte, tachando-a de fracassada.  Esse sentimento de rejeição é combustível para todo o processo.

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O medo do fracasso está muito relacionado com a maneira com que a sociedade cobra. O mundo capitalista valoriza o que você é capaz de oferecer.

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Pimenta – Como as instituições têm atuado nesse processo?

Fernando – Aqui, na Unime, oferecemos serviço gratuito para a população. No Núcleo de Psicologia Aplicado/Atendimento Escola, o expediente é de segunda a sexta, das 8h às 12h e das 13h às 18h. Além da tradicional psicoterapia, oferecemos o serviço de plantão, que funciona para urgência e emergência. Outro serviço gratuito é o piscodiagnóstico, em que é feita avaliação da pessoa para verificar se ela tem algum traço de depressão.  Caso positivo, a depender do nível de depressão, o paciente é encaminhado para um psiquiatra.