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- 13/03/2022
- redacao
Atendi um paciente há algum tempo que me chegou reclamando de uma ferida na boca. Já tinha vindo algumas vezes, ninguém chegou a olhar o ferimento. Sempre era medicado e liberado.
Neste dia mal conseguia falar e o mal cheiro exalado como hálito já me denunciava de cara. Esbranquiçada, rígida e irregular, poderia ser um câncer!
-O senhor fuma? – Sim doutor, fumei por muitos anos. – E quando isso apareceu? Já tem alguns meses.
Não era pra ser resolvido ali. Fiz um relatório e encaminhei o paciente a um Cirurgião de cabeça e pescoço como manda o fluxo.
2 anos depois um paciente deu entrada no meu plantão com forte dor no pescoço e na boca. Me disseram: “É um paciente oncológico, essa dor dele não passa, só toma a medicação e vai pra casa…” Fiz questão de examinar.
Encontrei um paciente que tinha dificuldade de falar, muito emagrecido e com um rosto que mostrava dor intensa. Cuidei para que o alívio da dor fosse o melhor possível, puxei conversa e o acalmei. Comecei a conversar com ele e refiz todas aquelas perguntas do inicio, até que ele me disse: – Dr. Foi o senhor que diagnosticou esse câncer.
Relembrei daquela primeira consulta e retruquei: Mas o senhor não passou no médico que lhe enviei? – Quando consegui já era tarde… Naquele momento me arrependi de agir apenas como manda o fluxo. Recém formado eu ainda não tinha sacado o quanto a morosidade do sistema mata, revolta e humilha tanto quanto a própria doença.
Às vezes precisamos assumir a luta junto com os que mais precisam para além das paredes do consultório!
Na maioria das vezes um relatório para uma consulta com o oncologista é só um papel onde esta escrita a vida dele, muitos nem sabem “o que é oncologista” e morrem inocentes emperrados na engrenagem enferrujada de um sistema que deveria proteger. Precisamos ser mais que simples profissionais, precisamos dar a mão a quem provavelmente vai se perder no caminho…
Quantos morrem na fila?
Quantos padecem esquecidos sem ao menos conseguir tentar uma cura?
Quantos aguardam meses quando o passar de dias define a vida ou morte?
Eu já tinha isso comigo, mas depois daquele dia me senti obrigado a fazer muito mais que minha obrigação.
(*)-Dr. Hugo Henrique é Médico formado pela (UESC) e-Diretor Clínco do Hospital Dr. Cesar Pirajá-Ubatã-Ba
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