O BAILE DE FORMATURA /Por Paulo Rogério S. Ramos
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  • 27/08/2018 
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Lá pelos idos de 1969, a cidade de Ubaitaba – Bahia  vivia momentos de glória com o Cacau ( ouro marrom) , cultura base da economia regional, em alta produtividade e qualidade de primeira, quando as chuvas eram regulares nas estações, proporcionando duas colheitas por ano ,a da safra e a temporão.

     Os fazendeiros produtores de cacau tinham uma vida farta e mantinham contas bancárias vultosas no extinto Banco da Bahia, alguns ostentando vários carros de luxo e modelos nas garagens eram GALAXI, LANDAU, LTD, AERO-WILLYS, LAMBRETAS E VESPAS (motorciclos Italianos muito usados ), contas em bancos internacionais na capital Salvador, para onde eram mandado  seus filhos, afim de cursarem a universidade.O banco preferido era o CITY BANK, que provocava status a quem nele podia manter operações financeiras.

     O negócio do cacau era tão bom e seguro nessa época que as empresas compradoras do produto como a CORREA RIBEIRO e MATOS SOUZA, pagavam aos produtores o Cacau ainda na flor, fazendo previsão de quanto seria colhido por hectare com pequena margem de erro, proporcionando assim aos produtores estarem sempre com dinheiro em caixa, como também à cidade, um comércio  pujante e uma feira-livre bastante procurada pelos comerciantes e consumidores de todas as cidades circunvizinhas, o que ocorre até hoje devido à estratégica posição geográfica da cidade que é passagem obrigatória para quem se dirige a qualquer localidade seja para o norte,sul,leste ou oeste.

     Naquela época  haviam muitos comerciantes e profissionais liberais assim como a cultura e tradições eram mantidas a exemplo dos festejos juninos, desfiles de 7 de setembro ( dia da independência do Brasil ), onde se apresentavam várias Bandas Marciais, desfile dos alunos de todos os colégios da cidade inclusive os infantis, quando os alunos tinham a obrigação de apresentarem-se com a farda impecavelmente limpas e passadas a goma, usando os rapazes calças compridas pretas, confeccionadas em Tergal, Nycron, percal, camisas brancas e os resistente sapatos Vulcabrás e Passo Dobler, já as moças,  com blusas Brancas , saias plinçadas azuis, com meias três quartos, oportunidade em que eram homenageados os grandes homens e datas marcantes da história do Brasil , com apresentações de carros alegóricos.  Havia também a tradicional festa da  Micareta, ( carnaval fora de época ) que era comumente organizada  pelo conhecido RENATÃO, carnavalesco e dono de hotel, que se esmerava nos preparativos dos Carros Alegóricos, chamados de ” Pranchas ” onde desfilavam as formosas jovens das cidades gêmeas de Ubaitaba e Aurelino Leal, trajando belas fantasias coloridas. Cada ” prancha ” abordava  temas diferentes, que enchiam os olhos de quem assistia aos desfiles. Havia também os Cordões de foliões, Blocos de mascarados ( caretas ), Afoxés com temas africanos  e Trios elétricos em formato de naves espaciais, em alusão a ida do homem à lua ,  esses Trios  com  dezenas de auto-falantes de alumínio em formato de megafone de 30 polegadas,  jogavam o som ao longe e quão grande era o número de foliões que ” pulavam ” na frente e atrás deles.

     Dentre os foliões havia um que se destacava, era o ZÉIS, trabalhador doméstico que morava em Itabuna e todos os anos era esperado com curiosidade, pois sempre desfilava nos Trios trajando indumentárias exóticas de fabricação própria como a do morcego, borboleta e outros temas, que atraia encantando a quem assistia às tradicionais festas da Micareta. À tarde e à noite aconteciam os bailes no CLUBE SOCIAL , festas a fantasia onde se costumava dançar dando voltas ao redor do salão normalmente no sentido horário, ao som dos ” Conjuntos ” contratados,  dos quais destacavam-se como de preferência o MACK FIVE ( de Valença), OLIVEIRA e SEU CONJUNTO (de Castro Alves ) , OS BRASAS ( de Itajuípe ) o  GRUPO FASE (de Itabuna ),  bailes onde era comum o uso livre das Lanças Perfumes  ROD’OURO,  que deixava os foliões muito animados a jogar Confetes e Serpentinas para o alto do salão e a se paquerar desprovidos da timidez.

     O presidente do Clube Social há muitos anos era o Sr. LOURIVAL PEREIRA ( Louro do bar ), comerciante e conservador dos bons costumes, seu Louro tinha um belo bar em frente à praça, com a fachada toda revestida com azulejos amarelos, onde se reuniam os homens da sociedade para tomar cerveja obrigatoriamente bem gelada, refrigerantes Crush, Grappetti e Coca-Cola no tradicional ” rabo de galo,”  onde era misturado com cachaça, limão e gelo, fumando cigarros Iolanda,  Continental, Gaivota (asa branca),  todos  sem filtro e discutindo sobre o Cacau, futebol, política, notícias publicadas nas revistas Manchete, O Cruzeiro, Seleções do Reader’s digest e jornais do Estado, que além das notícias atuais exibiam a beleza feminina,  como  também abordavam    as interessantes                                                ”  fofocas ” da comunidade.

     Durante os dias da Micareta, o ponto mais disputado era um bar de estrutura arredondada que fica na praça, no centro do jardim, chamado de ” abrigo ” devido à sua marquise larga e arredondada que serve de proteção em dias de chuva e que foi carinhosamente apelidado pelos estudantes  de        ” Chapéu da Doida ” devido ao seu formato e era  onde as pessoas  aglomeravam-se no terraço para brincar e apreciar os blocos e carros alegóricos. Esse bar na época pertencia ao Sr. VAVÁ  que vendia além de bebidas, saborosos lanches e o famoso picolé

” Abafa banca ” muito consumidos pelos alunos do vizinho Grupo Escolar

OSVALDO CRUZ que era um dos melhores colégios do curso primário,  ” hoje da 1ª a 5 ª série” onde se aprendia nos cadernos de caligrafia a fazer letras bonitas e a Taboada em ” sabatinas” regadas à torturante ” Palmatória ” período em que os alunos tinham obrigatoriamente que prestar a.         ” prova de admissão ” que era um mini vestibular para provar que o aluno estava apto a ingressar no.        ” Ginásio ” ou 2ª Gráu, o que hoje corresponde da 6ª à 8ª série. Após concluir o Ginásio o aluno iniciava no curso médio de Magistério ou Científico, opções oferecidas na época. Após a conclusão desses cursos aí sim,  vinha a Formatura com a Colação de Grau dos estudantes do CEU ( Centro Educacional Ubaitabense ) e Escola Polivalente de Ubaitaba, situada no final de uma rua de terra distante do centro da cidade ( hoje av. Vasco Neto ), por onde quem passava pela manhã cedo, tinha a oportunidade de ver o Cabo Antônio ( Seu cabo ) fazendo aulas de “ginástica”  ( educação física ) com os alunos do C.E.U..  Já  no ” Poli”  ( Polivalente), quem dava as aulas de ” ginástica ” era o professor TECO VILASBOAS.   Era no ”  poli ” que o pipoqueiro seu EMÍDIO, ficava com seu carrinho de madeira e vidro a vender suas deliciosas e aromáticas pipocas              ” Lírio do Vale ” dos tipos  fofa com manteiga e a tradicional com sal.

     No ano da formatura, os alunos se reuniam para escolher as pessoas para serem o PARANINFO e o PATRONO da turma.  Normalmente para Paraninfo era escolhido um dos professores, que no dia fazia uma oratória com agradecimentos ,  parabenizando os alunos, pais, professores etc… já para Patrono era escolhido alguém influente e de posses da comunidade haja a vista, que esse arcaria com parte das despesas da formatura como despesas com igreja, decoração, conjunto para a festa, convites… obviamente sempre com o apoio da Prefeitura Municipal e da comunidade através do ” Livro de Ouro ” que era assinado por quem contribuía com dinheiro.

     Entre tantas pessoas que comumente eram solicitadas para serem Paraninfo de formatura, podemos destacar os Srs.

BETO TANNUS, ARTUR MOREIRA ( Arturzinho ), MANOELINO, CLODOMIR XAVIER (Closinho ), MANECA LONGO, MILTON MATOS, AUGUSTO FERREIRA, ALFREDO FERREIRA, ORLANDO MAGALHÃES, MANOEL LONA ( pai de Fernando Lona, compositor da música               ” Porta Bandeira ” gravada por Geraldo Vandré ), Dr. ALTAMIRO , Sr. JOSÉ LOYOLA, OCTALINDO GOMES ( seu Ioiô ) dentre outros.

     A Colação de Grau acontecia sempre no Cine Vitória do Sr Nilton Alonso, posteriormente havia o baile da formatura no CLUBE SOCIAL UBAITABENSE com a tradicional dança da valsa. Essas festas eram um verdadeiro desfile de moda e beleza com os rapazes usando sapatos FOX bico fino e ternos  de linho bem engomado ou tecidos         a ” risca de giz ” confeccionados com esmero pelo alfaiate seu PAIZINHO, que apesar de surdo e falar baixinho, no corte e costura de roupas masculinas não havia igual, as moças por sua vez, bem maqueadas, com bastante rouge e  laquê nos cabelos, os mais crespos passados a ferro quente, ostentavam vestidos de                              ” organdir “cada um mais bonito que o outro, sempre muito bem bordados, ornamentados com rendas, missangas, vidrilhos e lantejoulas que causavam orgulho e suspiros de satisfação em quem usava ou admirava, havendo sempre.                  ” aquela “

comparação  ciumenta sobre quem estaria usando o vestido mais bonito e elegante. A  bem da verdade eram todos sempre muito encantadores. Os formandos dançavam a valsa com seus padrinhos, comumente os pais, irmãos, ou convidados.

     Nos anos que antecederam à década de 70, a energia elétrica de Ubaitaba provinha de um enorme gerador que ficava em uma

” Casa de Força ” situada ao lado do Clube Social onde hoje se localiza a Cesta do Povo de Ubaitaba e cujo gerador só fornecia energia elétrica das sete da manhã às dez horas da noite, exceto em dias de festa quando o funcionamento se estendia até a madrugada, a manutenção desse equipamento era feita pelo Sr VIRGÍLIO ( da Coelba ).

     Nesse ano o conjunto que iria abrilhantar a festa com seus acordes era um grupo de Aurelino Leal chamado SOM LIVRE que fazia muito sucesso tocando em uma boite de propriedade de seu Macedão situada no ” Tampa Surrão ” rua de bregas famosos como o de Mineirinha, o de Vilma, o de Macedão o de Dedé Preto, o de Ninha, entre outros             ” inferninhos ” muito famosos nas décadas de 60 e 70, era para onde se dirigiam os homens da região em busca de diversão e prazer.

     O ” SOM LIVRE ” era composto pelos músicos, Antônio Lucena ( guitarra base  e voz), Bililico ( guitarra solo  ), Zequinha  ( bateria ), Alirio Lucena (  contra-baixo ), seu Carlos ( sax ) e  era   Humberto Hugo nas                                ” tumbadoras ” ( percussão).

     Então, ficou assim acertado: pelo valor acordado, o conjunto sairia de Aurelino Leal ( Poiri ), no sábado dia da festa. O equipamento  seria transportado no caminhão de seu          “. Fernando da Sulba ” e os músicos acompanhariam na Kombi de seu Miguel Mendonça, entretanto, o grupo de músicos após a festa, lá pelas 4:00 da manhã não voltariam para Aurelino Leal, até mesmo porque nesse horário não havia mais canoas nem balsas para a travessia do rio de Contas entre as cidades gêmeas e os mesmos ficariam hospedados no hotel de Renatão,que ficava na praça em frente ao jardim e perto da venda de Sr.  Augustinho Celestino, comerciante da cidade em cuja venda podia-se comprar de tudo, desde alimentos até ferragens e materiais diversos.

     Pronto! Tudo acertado! Chegou o grande dia e a hora da Formatura. Só que o Sr. Lourival, presidente do Clube Social, como todo bom conservador era muito exigente e irredutível em suas decisões, não admitindo que ninguém, mas ninguém mesmo, entrasse  no Clube se não estivesse adequadamente vestido para a ocasião ou não tivesse de posse do convite para a festa, anteriormente distribuídos pelos formandos, portanto,.                              ” sem convite não entra ” , mas essa atitude deixou alguns rapazes da cidade irritados por não poderem participar de uma festa tão importante e cheia de pompa e circunstância, daí alguns se juntaram com o objetivo de boicotar a bendita comemoração, então, reunidos; Pinho, Zé Rebouças, Joãozinho ( de Pedro PITÚ ) e  Perivaldo( Nego Saci ) e outros, aguardaram o momento certo para desferir o golpe fatal. Depois que todos os convidados entraram no Clube e quando já não havia mais ninguém do lado de fora, a valsa já havia sido dançada pelos formandos com seus padrinhos ao som da música.   ” Tema de Lara ” tocada mecanicamente.

 Após os cumprimentos e estouro dos champanhe que decorava as mesas acompanhado de uma bandeja de salgados, o grupo de revoltosos já se encontrava na Casa de Força do gerador de energia, prontos para retirar os fusíveis do ” quadro de luz ” e dar cabo da tão esperada Festa de Formatura, pelos formandos, familiares e convidados.

     A Banda já havia afinado seus instrumentos e estava a postos para dar início à festa, trajando calças jeans US TOP com ” boca de sino ” feita com uma  nêsga,  ” retalho de outro tecido,”  e camisas estampadas, ” indumentárias usadas pelos cantores e bandas que se apresentavam nos Festivais de Música Popular Brasileira “. Foram feitos os agradecimentos, a apresentação dos músicos, os casais já posicionados em  pé no salão, estavam prontos para a primeira dança, então o  percursionista Humberto Hugo soltou a mão na tumbadora sem pena; pá pacapá papá papá papapá…quando o croner Bililico pegou firme o microfone, segurando o pedestal, tal e qual faz o rei Roberto Carlos e começou com sua bela voz, firme e envolvente a cantar a música de maior sucesso do momento:

– ” O SHOW… JÁ TERMINOU “… aí a luz Fiiiiiuuu… ” deu prego “, foi embora  e só voltou no dia seguinte quando Seu Virgílio colocou novos fusíveis para reconectar a energia.

     Prá encurtar a história, houve um enorme tumulto com briga de socos e pontapés, cadeiras voando, guitarra quebrada, nariz partido… e os músicos coitados tiveram que atravessar o rio nadando de volta a Aurelino Leal para não serem  “devorados ”  pela multidão enfurecida e decepcionada.

      Coitados… como  se tivessem culpa…

   Paulo Rogério Ramos

       Julho de 2015